quarta-feira, abril 16, 2014

Três

No es para quedarnos en casa que hacemos una casa
no es para quedarnos en el amor que amamos
y no morimos para morir
tenemos sed y
paciencias de animal

Juan Gelman


Sobre fundo branco um quadrado vermelho e a inscrição “sim” em preto logo acima: o quadro da Mira Schendel era uma tatuagem no braço direito de alguém com nome composto. Num outro braço direito, versos de um poema em tipografia com serifa - daqueles que você lê e relê e não entende como é possível.

Nas costas da Ana os sinais de pontuação de um texto que não se lê. E dela, também: as linhas que traçam o contorno das cidades vistas de longe, de fora, de um outro lugar, de um ângulo que a gente mal sabe, de bem depois da arrebentação, desse ponto aonde só se chega de barco, sem peso – “agoniômetro”, ela escreve sobre uma imagem, a borda do outro lado, bater e voltar sem se afogar no meio.

Para mim não são só pautas num caderno ou linhas que se desenham – nas paredes, em telas de silk, em azulejos, em papéis emoldurados lançados em canoas – e tampouco apenas códigos de escrita ou tintas perfurando peles, mas ecocardiogramas, pulso. Vida - que de repente, numa terça-feira de esperas e de afogar pisantes. 


quarta-feira, abril 09, 2014

Moscou - vol. 5

Eu tinha colocado o rodo de pia no potinho junto com as esponjas, mas por alguma razão a Cida achou que era melhor guardá-lo na gaveta e com ela não discuto: sua cama está lisa como a de um hotel, e antes que eu tenha um desfecho para todos esses dias, meu celular apita:

- Acabei de me tocar que ainda não paguei o condomínio. Você lembra quando vence?
- Hoje.
- Putz. Já enchi a cara de vodka.
- Eu pago pra você, seu golpista.
- Você não existe! Brindei a você. Com vodka.
- Existo e sou incrível.
- Sem dúvida. Também sou. Somos incríveis juntos. 

Então volta logo, pombas. 



segunda-feira, abril 07, 2014

Moscou - vol. 4

Acho que o meu café é o Livanto e parece tão complicado escolher cápsulas quanto flores. Há uma banalização de orquídeas no super e todas parecem meio pau mole – M. usou essa expressão outro dia e fiquei viciada. Já pensou em quantas coisas na vida são um pau mole? Essa semana toda: eu não sabia se saía do trabalho e ia pra casa ou para o Galeão e mesmo a sua casa, que era pra ser um refúgio, virou esse lugar onde a qualquer ruído – da máquina de café aos tropeços que dou sem mais nem porquê – podem bater na porta, e eu deveria achar isso ótimo. Talvez seja essa pau molência que me assolou nos últimos dias.

Hoje eu trouxe cervejas para repor as garrafas que esvaziei sozinha ou com Carol. Trouxe uma orquídea também. Espero que ela dure até você chegar.


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Mas pau mole mesmo é passar uma noite de sábado fazendo faxina em casa. É incrível: a vida quase parece fácil quando você só depende de um perfex, um produto de limpeza, uma escadinha e a discografia do Radiohead.