sábado, junho 24, 2006

Vinte e quatro.

O problema é que ela vicia. Este é só um dos itens. Não vale à pena listar, não interessa a ninguém e eu já sei de cór. Ela vicia e ponto. Vicia que nem brigadeiro de panela em dia de sofá cheio. Vicia que nem ficar boiando no mar em dia de sol escaldante. Vicia que nem adianta fazer promessa pra santo, é o tipo da coisa que você vai sempre adiar, vai dizer que começa amanhã, e um amanhã depois do outro já faz tanto tempo, já fazem anos, e parece que ela gruda mais do que pé-de-moleque. Ela parece um pé-de-moleque. Porque te lembra a infância, porque tem gargalhada de criança, porque são várias cores juntas, porque é um mosaico de coisas, porque é pequenininha e quase cabe debaixo do braço. Ela parece um pé-de-moleque porque quase ninguém mais faz. Ela é meio coisa de vó, ela é uma daquelas histórias que vó conta e que é difícil crer. Ela deve ser uma daquelas palavras que só vó conhece. Ela deve ser uma história dessas bem fantasiosas e brilhantes. Se ela fosse uma história, seria uma fábula. Se ela fosse uma personagem, com certeza não seria princesa, que ela não é assim tão óbvia. O problema é que ela não cansa, é um vício que quase não se sente, quase não se vê. O problema é que dela você não enjoa, não quer um tempo, não quer brigar, não quer pensar. Dela você não se afasta, não vai embora. Não quer ir embora. Ela deve ser tipo calmante ou floral, anti-depressivo natural. O problema é que ela sempre sabe sabe como te tirar da cama, como te dar banho de alegria, como colorir. Se ela fosse uma cor seria um Pantone especial. Ela deve ser uma pintura moderna. Dessas que a gente vê na Bienal, acha linda, passa um tempão sentada olhando, e mesmo que a gente não entenda a teoria (ela deve ser arte cheeeeeia de teoria por trás), tudo bem, é uma tela linda, cheia de luzes e que você não hesitaria pendurar na sala, dar bom dia de manhã. Ela é manhã, amanhecer, nuances de sol e horizonte se afastando, astro subindo, ela é subindo. O problema é que ela é doce do começo ao fim, sempre, mau ou bom humor, ela tem sempre cheiro de bolo quentinho saindo do forno. Ela deve ser uma casa de campo dessas que cabe família grande e que tem rede pendurada na varanda. Ela parece uma rede. Ela tem um ritmo suave, ela faz ventinho, ela acolhe sem distinção, abraça e envolve assim que nem mãe em dia de gripe. Ela deve ser um daqueles abraços que as mães dão pra consolar os filhos. Ele deve ser bem mais que isso. Ela deve ser prêmio.Ela deve ser uma espécie de recompensa, papai Noel de quem quer muito mais uma amiga do que uma bicicleta. O problema é que ela é parte de todas as soluções, então fica difícil explicar...

(para Clara no seu aniversário)

quinta-feira, junho 22, 2006

É preciso ter graça.

Então fica combinado assim: eu estou aqui por você e você está aqui por mim. Você vai me dar a mão quando achar que deve, e eu vou pedir o braço quando achar que posso. Você vai ter um ombro sempre aberto e um peito sempre disposto, e eu vou ter sempre o colo quentinho. Você vai ter sempre um afago e eu vou ter sempre os olhos brilhando. Você vai me abraçar e chorar comigo, e a gente vai embolar gargalhada no meio. Você vai roer as unhas enquanto eu balanço o pé, você vai me mostrar os pontos e eu vou traçar as retas. Você vai dizer pra eu continuar, vai me pedir pra ter calma. Você vai incentivar o meu choro, mas vai procurar meu sorriso. Você vai ter paciência até achar o azul certo, vai fazer e refazer tudo à exaustão, e eu vou fazer o mesmo, e quando a gente achar que está à beira da loucura você vai contar uma piada, e você, como sempre, vai me fazer rir e esquecer por um minuto. Você vai me explicar que dupla-face é melhor que cola, você vai me responder mensagens à meia-noite só porque sabe que eu estou nervosa. Você vai me fazer companhia, vai trazer um copo de água gelada e vai esquentar o chá. Você vai acreditar em mim sempre, até que eu também acredite, e você vai me convencer. Vocês vão me dizer que tudo vai dar certo, eu só sei que vai porque são vocês quem estão dizendo. Vocês vão salvar meu dia amanhã, que nem fizeram hoje.

(para mamãe e Lil)

quarta-feira, junho 07, 2006

Bacharel

À medida que achava que se aproximava do fim, acreditava também estar cada vez mais perto da loucura definitiva.

(Costurou na barra da saia:
Se um dia chegar o dia, e se o dia chegar e fizer sol, e mesmo que chova e o carro atole na lama. Se um dia chegar o dia, e se quando o dia chegar fizer céu azul com nuvens de algodão doce, e mesmo que o tempo fique meio cinza, meio enferrujado. Se um dia chegar o dia e se o dia chegar com canto de sabiá, e mesmo que a gaita fique rouca e o coro desafine. Se um dia chegar o dia e se chegar com primavera brotando ou outono ventando, e mesmo que chegue nevasca caindo. Se um dia chegar o dia, e se chegar o dia e tiver brisa e sorvete na praia, e mesmo que o arroz fique grudado e as batatas queimadas. Se um dia chegar o dia, e se o dia chegar e tiver dança, e mesmo que haja pisões nos pés. E se um dia chegar o dia e o despertador não funcionar e eu perder a hora? E se a hora se perder do dia e então eu não vou mais saber se quando chegar o dia ele vai ser O dia... E se o dia chegar disfarçado com manto escuro, e se eu confundir o fuso-horário, e se o dia chegar e eu não estiver pronta? Aaaaaah. E se um dia chegar o dia e eu aflita começar a gritar e a gritar e a gritar e a gritar eu perco o dia, e um dia não é nada, mas o dia eu não posso perder, não posso gritar, não vou acordar. E se um dia chegar o dia e eu não levantar? E se eu, sem querer, desavisada, distraída, desastrada, pular o dia? Fique calma, não esquenta, o dia já vem raiando meu bem. Se um dia chegar o dia, ele vai chegar.)

:: na vitrola - Desassossego, Qinho&osCara www.myspace.com/qinhoeoscara

segunda-feira, junho 05, 2006

I Know it's over

But if you wait around a while I’ll make you fall for me, I promise. I promise you, I will.

Foi você quem gostou de mim primeiro. Eu não pedi pra nada disso acontecer. Tá certo que você não puxou assunto. E também não foi você que deu o beijo. Mas foi você quem me viu primeiro. Você que deixou que eu entendesse que o segundo passo era eu quem tinha que dar. Sapato roxo de cetim. Você, que mal conheço. Você tem todos os motivos pra se apaixonar por mim. Você que segurou meu rosto na primeira vez que. Camisa branca no chão da sala. Foi você quem ligou no dia seguinte, eu sequer tinha seu número. Eu nem queria que você ligasse porque eu nunca quis você. Foi você quem me quis primeiro. Embora você não tenha dito, você deixou que eu entendesse. E também foi você que foi atrás de mim, escondido. Eu palco e você platéia. Sapato vermelho. Nunca me disse. E foi você que se livrou do trabalho mais cedo. Você que escolheu a música. Foi você quem insistiu, eu não tinha intenção de entrar. Foi você que segurou o meu rosto de novo, na segunda vez que, com seu cabelo caindo por sobre os olhos. Camisa verde no chão do quarto. Você, que mal conheço. Você tinha todos os motivos pra cair de amores por mim. E fui eu quem se apaixonou primeiro. Você devia se apaixonar logo depois. Ou logo antes. Tempo impreciso. Foi você que disse que, e todas aquelas coisas, que só uma tola. Eu não tinha vontade de ouvir. Era você quem dizia. Eu nunca te perguntei. E foi você que me puxou pra rede e me mostrou suas fotos. Eu não pedi pra nada disso acontecer. Foi você quem fez questão de me levar até a porta. Calça adidas no portão, sapato vermelho na mão e essa foi a última vez que, você ali parado, eu ligando o carro. E foi você quem ligou pra dar tchau. Foi você quem desligou os sonhos. E você logo mudou de idéia. Foi você quem aceitou o chope que nunca tomamos. E foi você quem mandou mensagens depois de esbarrar comigo num bar. Eu nem queria te cumprimentar, você, mãos dadas com outra. Eu, saia de chita florida. Foi você quem mandou o recado depois. Foi você que continuou usando seus truques pra parecer que a culpa era minha. Você, com suas opiniões sobre. Você tinha tudo nas mãos. Ganância dos que podem. Foi você quem me olhou daquele jeito na terceira vez que. Eu saia de babados, você piercing na língua. Me puxou pela cintura e me jogou onde pôde. Chinelo no chão. Foi você quem segurou meu rosto de novo, e dessa vez eu não fiquei tanto quanto queria. Foi você quem quis primeiro. E mais uma vez, foi você que se foi primeiro. E é sempre você que me ganha. Inversão de papéis, troca de vontades. Foi você quem quis assim, eu não pedi pra isso acontecer. Você, que já faz três anos. Você nem deve ser tão irresistível quanto eu penso que é, e eu não devo ser tão passageira quanto você apostou que eu fosse. Você, outro país. Eu, tormento. Você, que se esperasse um pouco. Eu, que se fizesse mágica...